Código secreto

Por Henrique Vieira

“Quando os maus se reúnem há uma conspiração, não uma sociedade. Não se amam, mas se temem. Não são amigos, mas cúmplices.”

Discurso da servidão voluntária

Étiene de La Boétie

Recentemente, uma escavação arqueológica acendeu os holofotes sobre uma descoberta digna de se igualar aos Dez Mandamentos de Moisés. Trata-se de um código sobre como os políticos devem se portar. Através da leitura, qualquer idiota é capaz de perceber que o documento remonta à Antiguidade, pelo conteúdo e admoestações que, felizmente, não mais se coadunam com o nosso ambiente público.

Ei-lo:

“Este código é um pequeno manual de conduta para a consecução e manutenção do poder político. Não o reveles a ninguém, seu teor é secreto, a menos que haja entre os interlocutores um pacto de sangue e honra.

1 – Esforça-se ao máximo para transmitir a FALSA ideia que o teu ingresso na atividade política é pelo bem comum, para promover desenvolvimento social, justiça e igualdade;

2 – Em complemento ao item anterior, em hipótese alguma revela a verdade, nem mesmo a dos teus inimigos, pois a verdade deles é a tua. Não desveles os objetivos de todo bom político: o Poder e a Vaidade;

3 – Não sejas tu ganancioso. Compartilha com teus cúmplices os lucros das ilicitudes e tenta atrair os teus inimigos. Lembra-te: não estás na política para auferir recursos financeiros, unicamente em benefício próprio. O dinheiro é meio, ocasional para auferir o poder;

4 – O contato popular é um mal necessário e felizmente sazonal, nessas situações, envida todos os meios para te assemelhar àquela gente: conversa com velhos, carrega crianças catarrentas no colo, transporta-te em coletivos imundos, usa o linguajar mais chulo… inspira o miasma do povo. Depois, desinfeta-te!

5 – Todos, absolutamente todos, até mesmo os comparsas mais inexperientes, devem utilizar palavras como “Democracia”, “República” e “Constituição” em seus discursos. Aliás, se tua retórica for incompreensível, tanto melhor;

6 – Injeta no povo a ideia de que a “Democracia” e a “Salvaguarda da Constituição” são os únicos objetivos da sociedade. Desse modo, a populaça desviar-se-á dos verdadeiros escopos: o bem comum, promoção do desenvolvimento social, justiça, igualdade, liberdade, etc. Transforma a Democracia em um fim em si mesma, ou em um instrumento favorável a ti e aos teus. Lembra-te que a Democracia não tem compromisso com a verdade, e sim, com o convencimento do maior número de ingênuos[1];

7 – No lucrativo processo democrático, poderás ser ocasionalmente derrotado, nesse caso lembra-te que a política é feita de agremiações, conchavos e acordos. Jamais fecha as portas aos teus adversários. Até mesmo a inimizade simulada poderá vir a ser útil. Se venceres, promova-te a herói e constrói um pódio de louvor para alimentar a tua vaidade (com parcimônia, sempre haverá o próximo pleito);

8 – Deixa o povo falar, criar suas artes, adorar os deuses que bem entenderem. Enfim, concede aos ingênuos apenas a sensação de liberdade, contudo, no momento de tomar as decisões que mais importam, sê tu o detentor do direito de ser livre;

9 – Promove um solo fértil para a procriação da populaça e que se multiplique o número de eleitores. Constrói escolas para depositar as crias, enquanto os pais, livres da carga de cuidarem dos próprios filhos, saturam e barateiam a reserva de mão de obra. Garante o mínimo de saúde e conhecimento técnico aos trabalhadores. Assim, evitarás a sublevação e conquistarás a gratidão daqueles que financiam as tuas campanhas políticas;

10 – Retira, em todos os estratos, a humanidade dos teus servidores com o instituto da impessoalidade. Dá preferência, sempre que possível, àqueles lotados em cargos de livre provimento: são de fidelidade canina e lutam como feras, se precisam largar o magro osso que lhes é concedido com benevolência.

11 – Não traias os comparsas, mas se o fizeres, que tu sejas competente para que ninguém descubra teus malfeitos. Delação, se premiada, não é falta de lealdade, mas sim, sobrevivência e tentativa extrema da perpetuação do poder;

12 – Prepara os teus filhos para a vida pública: o poder é hereditário.”

Itumbiara, 07 de fevereiro de 2021.

Henrique Vieira do Carmo


[1] Ingênuo é também aquele cidadão que nunca foi escravizado, portanto, vê-se que o autor lança mão do duplo sentido na construção de sua prosa.

Vide artigo 6º da Constituição de 1824: “São cidadãos Brazileiros os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos (…).”

One thought on “Código secreto

  • Perfeito!! o texto descreve exatamente o que acontece com nossos politicos.

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