APOLOGIA À BURRICE
por Henrique Vieira
Encontrei este documento em uma antiga biblioteca na minha cidade, um casarão barroco, todo ornamentado, lindíssimo. Pelo teor, suas palavras apregoam um protesto contra aquele templo, que representa o acúmulo de conhecimento e sabedoria. Entretanto, nas entrelinhas, há o alvitre: abandonai este lugar, asqueroso perseguidor da inteligência. Como poderás observar, suas palavras são potentes, pois têm a capacidade de macular o belo e espalhar-se como um câncer maligno que corrói todo o corpo. Logicamente, esta impressão de um efeito indesejável não será compartilhada por todos; não posso ignorar o fato de que haverá aqueles que aplaudirão o seu autor anônimo e, por fim, regozijarão a liberdade que o texto promete. Enfim, o tema é controverso, por isso, como prova de minha honestidade, transcrevo-o ipsis litteris, mantendo inclusive os equívocos gramaticais.
“Sou ignorante! Burro mesmo e com muito orgulho! Pouco me importa se os outros são burros també ou não. Apenas sou burro e sou feliz com isso. A burrice é gorda, alegre, brincalhona e não se inveja. SER BURRO É DEMOCRÁTICO não tenho a menor ideia do que significa ser democrático mas todos dizem que é uma boa coisa, então deve ser mesmo. Para ser burro basta uma simples decisão: se tornar um ignorante. E isso está ascessível à todos, acho que é isso o que quer dizer democracia. Assisti uma aula sobre um tal de Omero, não entendi nada pelo visto esse homem escreveu esse negócio a muitos anos atraz e todos os inteligentes gostam muito do seu trabalho. Não achei nada de mais. Então ser inteligente é gostar de coisa que ninguém intendi? Ficar ouvindo os outros falarem das coisas do passado que não significam mais nada hoje em dia? Ser inteligente é ficar em bibliotecas que mais parecem semitérios, silenciosos, ouvir umas música que as pessoas ficam gritando umas palavra estranhas? Ontem eu ouvi alguém falar de cultura elitista, parece que é o posto de democrático. Sim, tem gente que diz que ser culto é elitista. A inteligência é magra, fede há mofo, SOLITÁRIA, triste… e é para poucos. To fora! Xispa!
Bom mesmo é o tchum ta-ta tchum-tchum-ta, um batidão percussivo que mexe com a alma, festança, muiézada, pingaiada… Alegria que abraça geral, sem dor, esforço, sofrimento, apenas felicidade, livre de aulas, palestras, teatros, museus… A ignorância é graciosa.
Graciosa? Nunca mencionei esta palavra, deve ser o efeito deste lugar, melhor nunca mais usá-la….kkkkkkkk
Escrevi essas mal trassadas linhas e deixo elas aqui, na biblioteca lugarzinho fedorento. Pode ser que algum inteligente leia ela algum dia mas não vou assinar.
Fui!” Infelizmente, eu ousei divulgar este texto, considerando-o irrelevante, até mesmo inofensivo. Assim, receio pairar sobre mim a responsabilidade de haver no lugar da amada biblioteca, ora destruída, um tedioso e elitista shopping center. Não obstante a culpa, aprendi a mais valiosa das lições: jamais subestimar a burrice humana.