AFASTE DE MIM ESSE CALE-SE
Mark Zuckerberg revela a dissonância cognitiva da esquerda ou sua tendência ditatorial
“Quid est veritas?” Temos por tradução do latim, “o que é a verdade?” Este foi o questionamento de Pôncio Pilatos a Jesus, momentos antes da crucificação; uma pergunta de teor retórico cujo ponto de interrogação afirma a relativização de um conceito filosófico por excelência: a verdade. Ou seja, Pilatos incute nessa pergunta, com ares de sarcasmo, a velha máxima grega, “o homem é a medida de todas as coisas”, e desdenha de qualquer reputação erigida pelo conhecimento único e absoluto. Pois bem, deixemos de lado os temas filosóficos e teológicos, haja vista serem de tamanho enlevo que minha módica inteligência não seria capaz de abordá-los em poucas linhas (tampouco em muitas), e volvemos o olhar para a contemporaneidade.
As comunidades política e jornalística estão em polvorosa com a nova declaração de Mark Zuckerberg, responsável pelas plataformas Facebook, Instagram e WhatsApp, de que a sua empresa, a Meta, não mais fará a verificação e mediação de asserções publicadas pelos usuários. Não tardou para que as manifestações de indignação vierem à tona ao alertar que aumentará sobremaneira a disseminação de “desinformação” e “discursos de ódio”, logo, por dedução lógica, todos clamam para que Zuckerberg seja a pedra angular para o estabelecimento da verdade absoluta e do amor entre os povos, ou seja, sem o perceberem, procuram em Zuckerberg o ungido, o messias.
O meu descalabro não finda aí.
No venerável Manual do Ditador, livro de cabeceira de grandes homens de governo e de estado, há um capítulo destinado ao tratamento da informação e propaganda, eis o seu título: ”Sobre o controle e criação do conhecimento por meio do Ministério da Verdade”. Ora, todos sabemos que o Poder Judiciário promove seus julgamentos ao escarafunchar o lodo da vida cotidiana com o escopo de encontrar a pura e fidedigna “verdade dos fatos” (com o perdão do pleonasmo), portanto, nada mais natural que nossos altivos e supremos cortesãos desempenhem o papel de aquilatar a vida e os discursos dos plebeus submetidos às suas bem cheirosas togas e construam as fundações do estimado prédio do Ministério da Verdade, alicerçadas em decisões irrecorríveis. Tudo conforme reza o Manual aludido alhures.
Não é segredo para ninguém que nossos supremos cortesãos estão, em sua maioria, enviesados à esquerda. Uma simples observação em alguns “discursos de amor” já demonstra tal posicionamento: “nós derrotamos o bolsonarismo!” (BARROSO); “o Judiciário deixou de ser um departamento técnico especializado e passou a ocupar um espaço político onde ele disputa efetivamente com o Legislativo e com o Executivo” (BARROSO); “pela primeira vez na história deste país, nós conseguimos colocar, na Suprema Corte deste país (sic), um ministro comunista, o companheiro da qualidade do Flávio Dino.” (LULA). E o que me causa estranheza é que esses políticos, eleitos ou togados, não somente pretendem transferir ditatorialmente seu mister, mas exigem o cumprimento das funções do Ministério da Verdade por uma empresa estrangeira, alinhada ao governo “inimigo” de Donald Trump, reconhecidamente de direita, em total desacordo com o Manual do Ditador. O que é isso, senão o paroxismo da dissonância cognitiva que assola a esquerda? Ocorrem-me as únicas deduções possíveis e excludentes entre si: nossos supremos políticos não possuem a verve ditatorial, apenas padecem de sinapses cerebrais canhestras; ou o Ministério da Verdade quer lançar sua própria rede social, criar o monopólio da informação, mas necessita, antes, de um pretexto para eliminar a concorrência (sugiro alguns nomes para a futura plataforma: LulaFlix, AleXgram e DobraMeta).
Reconheço a dificuldade. Se nem mesmo Jesus expressou em palavras o que é a verdade, por que não terceirizar por inexigibilidade de licitação tal incumbência à Meta, apesar de esta prática ser contrária à inteligência natural? Então, consubstanciados da verdade, os julgamentos de nossos supremos cortesãos passarão a ser retos, justos e, finalmente, reinará entre os polos de nossa sociedade os singelos “discursos de amor”.
Com o perdão da ironia dispensada no parágrafo anterior, resta transparente que a Meta recusa a responsabilidade de apontar a verdade devido à sua complexidade. É exatamente nesse ponto em que se resume a declaração de Zuckerberg, pois ele percebe o perigo iminente à liberdade de expressão. Ora, até mesmo a ciência, por diversas vezes ao longo do século XX, já bateu cabeças ao tentar demonstrar a verdade em uma eterna dialética negativa: por anos a homossexualidade foi declarada distúrbio pela OMS, hoje não mais; ovo, o maior dos vilões, hoje não mais; aveia, a perfeita heroína, hoje não mais; banha de porco, destronada e desprezada, agora alçada aos pratos saudáveis e gurmetizados; o glúten…, ninguém mais fala dele. Do mesmo modo que os supremos cortesãos cruzaram a linha vermelha da política, a ciência também se prostitui às grandes empresas farmacêuticas e de alimentos, a ponto de estudos respeitados desvelarem uma verdade de oportunidade, temporal e lambuzada por um “discurso de amor” materializado em capital. Portanto, posso afirmar, sem medo de incorrer em falsidade, que definir o que é verdadeiro somente é um processo banal quando há interesses escusos. Ao fim e ao cabo, tudo o que jornalistas e políticos querem é que Zuckerberg deglute o conteúdo de um cálice que toma a forma de “leis brasileiras”, e regurgite nada mais que a verdade pura e simples, desde que esta lhes seja confortável. Em resposta, o CEO da Meta apenas expressa: — Afaste de mim esse cale-se.
Mas, insisto, meu descalabro não finda aí.
Padecendo, possivelmente, de sinapses cerebrais canhestras, as classes jornalística e política não são capazes de perceber que ao banir usuários das redes sociais em conjunto com suas “pós-verdades”, “fake news”, “desinformações” …, o Ministério da Verdade desperdiça a preciosa oportunidade de reconhecer autores de supostos crimes e de apurar possíveis responsabilidades, afinal, terão sido exterminados do mundo virtual, pelo menos é o que se pretende. Em segundo, quem condenaria e prenderia um carro ou qualquer outro meio de transporte por atropelar uma criança? As mídias sociais, como está assinalado em sua etimologia, é um meio, (media em latim), portanto, responsabilizá-la pelo que terceiros dizem é o mesmo que culpar o portador da notícia. Ne nuntium necare! Não mate o mensageiro!
Confesso que digitei na plataforma de inteligência artificial da Meta, a pergunta “o que é a verdade?” Inflado pela mesma pusilanimidade daqueles que se retraem diante do novo e do desconhecido, não ousei pressionar a tecla enter. Prefiro a eloquente resposta de Jesus diante de Pilatos ao expressar o seu silêncio, pois, de acordo com a tradição, a resposta à pergunta “quid est veritas” (o que é verdade?) é o anagrama, “est vir qui adest” (o homem que aqui está). A solução já estava na pergunta. Para que verbalizá-la?
Por fim, desde o advento da internet e das redes sociais, a classe jornalística perdeu a hegemonia da informação, cujo império sempre foi absolutista e sem qualquer contestação; sua associação com a política, que por muito tempo tem formado um Quarto Poder, está a esmorecer diante da difusão das fontes de conhecimento, e isso é ruim para os negócios; tomados por desespero, nossos nobres jornalistas desejam liquidar os inimigos difusos através de um pretenso Tribunal da Verdade, desde que figurem como vítimas e acusação. “Combater a mentira com a verdade” é lugar comum, uma frase de efeito da qual lanço mão frente ao perigo que paira sobre a liberdade de expressão. De fato, esse é o melhor antídoto, alcançável através de uma dialética positiva, dialógica, jamais por meio do monopólio ditatorial de um governo, uma classe profissional ou de uma empresa estrangeira.
Henrique Vieira do Carmo
Escritor e funcionário público
Itumbiara, 12 de janeiro de 2025.