Os 130 anos do STF e Shakespeare
Por Henrique Vieira
Supremo: que está acima de qualquer coisa;
Que se refere ou pertence a Deus, divino.
(Dicionário Michaelis).
Vivemos, sim, em uma República, que tem como sistema de governo o Presidencialismo. Entretanto, é inegável dizer que os resquícios monárquicos ainda existam, não apenas nos livros de História, mas em nossa cultura, entranhados na pele. No Brasil, há a Rainha dos Baixinhos, o Rei da Música, Rei do Futebol, Rei Momo, vê-se constantemente a Família Real britânica ocupar espaços nos noticiários, até mesmo a moeda é real. Eu poderia findar aqui minhas alusões à monarquia, não fosse por um importante fato: o Brasil conta também com uma corte, e ela é suprema. Ah! Pobres parentes lusitanos, lá, no além-mar, há um simples equivalente chamado Tribunal Constitucional, sem nenhuma majestade ou realeza. Não! Do lado de cá, os nossos são supremos.
Nesse ano, o majestoso STF (haveria aqui um pleonasmo?) completa 130 anos de período republicano. Para celebrar essa data, eu, como um simples contribuinte plebeu, que arduamente labuta para garantir o sustento da Corte, tento prestar homenagens aos seus demiurgos membros. Confesso que não sou digno de lhes dirigir a palavra diretamente, possuo irrisórios saberes jurídicos, sequer sou bacharel em Direito, portanto, admito que lhes tecer um preito, sem cumprir os mínimos requisitos acadêmicos, seja extremamente dificultoso. Talvez Shakespeare possa me guiar.
Oh! Bardo, eu poderia começar pelas licitações de gêneros alimentícios da mais alta importância para a nutrição humana: lagostas e vinhos. Poderia mencionar as tentativas infrutíferas de aprovação em concurso público para magistratura de certo membro, outrora advogado de um imPorTante ParTido. Poderia aludir às infundadas acusações de plágio. Mas tudo isso seria uma descortesia, algo extremamente grosseiro. Não o farei!
Eu poderia relembrar a ocasião em que um advogado, ao compartilhar o transporte aéreo com um dos nossos nobres cortesãos, disse-lhe: “Ministro, há algo de podre no reino do STF” (HAMLET)[1]. Sumariamente e com todos os fundamentos jurídicos, Sua Excelência mandou a autoridade policial conduzir coercitivamente o detrator. Mas não… essa não seria uma menção auspiciosa para celebrar o aniversário de uma instituição tão importante. Não o farei!
Inadvertidamente, vem à mente a famosa frase do Bobo: “Pobre Lear, não devias ser Supremo, antes de ficar sábio” (REI LEAR)[2]. Dentre as três filhas, o Rei optou por afastar Cordélia, aquela que fora a mais fiel e verdadeira, e privilegiar as outras duas, donas de falsos encômios. Há certa ingenuidade e obscuridade no pensamento de Lear, mas jamais eu poderia compará-lo ao sapientíssimo Ministro que ordenou libertar o chefe de uma perigosíssima facção criminosa, mediante a contrapartida de adotar a “postura que se aguarda do cidadão integrado à sociedade.” Comparação infame. Não a farei!
O que dizer acerca do entendimento sobre prisão em segunda instância: “Inconstância, teu nome é STF” (HAMLET)[3]. Nunca! A volúvel segurança jurídica que se ajuste às supremas interpretações de Suas Excelências. Outrossim, impossível não cotejar as palavras do insigne ex-decano com as do traidor Brutus:
“Guardadas as devidas proporções, o ovo da serpente (…), parece estar prestes a eclodir no Brasil.” (CELSO DE MELLO)
“Devo então pensar que é o ovo da serpente: ao ser chocado, há de tornar-se peçonhento. É preciso matá-lo ainda na casca.” (JÚLIO CÉSAR).
Ora! Ao comparar as duas falas, torna-se visível a naturalidade de antecipar a sentença ao crime, em total paridade com as necessidades atuais e ao devido processo legal. E por falar no due process of law, expressão compatriota do Bardo, tem-se como postura plenamente justificável, o STF proclamar-se vítima, investigador, acusador e juiz do inquérito das Fake News. Enfim, torno a vasculhar a mente em busca de bons pensamentos para homenagear nossa Corte e nada encontro. Talvez a culpa seja minha, talvez
eu seja uma “mistura de mal com atraso e pitadas de psicopatia.” É possível ainda que me compare em ignomínia com o perverso Iago (OTELO). Não me darei por derrotado, continuarei firme no propósito de louvar nossos Supremos.
Eu poderia mencionar o valoroso trabalho de controle de constitucionalidade. Vemos passeatas e manifestações a pedir o fim do STF, do Parlamento e o retorno de Atos Institucionais repressivos da chamada Ditadura Militar. Em minha ignorância, sempre considerei que se tais atos fossem pacíficos, não haveria de se falar em inconstitucionalidade, haja vista não haver, por si só, a criação de relação jurídica. Não passariam de “palavras, palavras, palavras” (HAMLET). Ou seja, o controle nesse âmbito estaria apenas na esfera social, uma extrapolação distorcida do que apregoa Ferdinand Lassalle. Trocando em miúdos: sem relação jurídica, sem controle do Judiciário. Eis que assim, a Democracia pairaria soberana, sobre todos, inclusive sobre os que a criticam, com o fito de a fazer aprimorar. Ledo engano! Como é imensa a minha maldade e estupidez.
Poderia citar o artigo 53 da Constituição Federal que assevera a inviolabilidade civil e penal do parlamentar por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Poderia dizer que o artigo 6, inciso 3, da Lei 1.079/1950, tipifica como crime de responsabilidade a violação das imunidades asseguradas aos membros do Congresso Nacional. Mas não o farei, pois além dos gestos “o resto é silêncio” (HAMLET). Ah! Como lamento não estar à altura dos togados para homenageá-los.
Por fim, é bem possível que, ao despejar o ponto final neste texto, os Supremos mandem as autoridades policiais prestarem-me uma honrosa visita. Perguntarão:
— Tu és Henrique Vieira do Carmo?
Sôfrego pela lisonja, responderei:
— “Por um nome, não sei dizer quem sou” (ROMEU E JULIETA).
[1]Hamlet: “Há algo de podre no reino da Dinamarca.”
[2]Rei Lear: “Não devias ter fico velho, antes de ficar sábio”
[3]Hamlet: “Inconstância, teu nome é mulher”. Há também a tradução “Fragilidade, teu nome é mulher”.
Fantástico, disse tudo. Parabéns!
O texto ficou excelente!!! Parabéns pela perspicácia, Henrique!!!
Você já antevia o que havia de vir?? rsrsrs
Não sei se rio ou se choro diante de nossa suprema corte!!!