A CINDERELA CONTEMPORÂNEA

“A existência precede a essência”, eis a frase do filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), um dos mais importantes representantes daquilo que se convencionou chamar existencialismo. Esta citação significa que Sartre separa a existência humana de sua essência, ou seja, ao longo de sua vida, o homem (como espécie) pode escolher ser o que bem entender, pois usufrui de plena liberdade para tal; a sua existência no mundo não o define como homem ou mulher; o indivíduo pode nascer detentor de um sexo e adotar a “essência” do outro. Carece de investigação, portanto, se o pensamento sartreano dá amparo ao movimento LGB-ETCETERA+.

Vejamos!

É inegável que liberdade é bom, bem como a livre expressão cultural e do pensamento, pois são manifestações de direitos fundamentais de qualquer sociedade livre. Esta é a razão de a filosofia de Sartre ser tão potente, pois se fundamenta na liberdade de ser o que bem entender, e não há promessa mais sedutora que essa. Entretanto, compreendo haver um preço alto a ser pago por essa irresistível liberdade, que desafia até mesmo a natureza: a existência humana (aquela coisa que vem antes do “ser o que eu quiser”) seria reduzida a nada! O homem nasceria zerado, sem sentimentos, sem historicidade, capaz de negar o legado deixado por antepassados e esputar em tradições… a cada geração, uma possível ruptura cada vez mais intensa com a geração anterior.

Falando em geração, a minha assistiu à imagem de uma fada madrinha linda, bem vestida e com poderes mágicos — um mito, uma referência, em quem poderíamos nos espelhar para sermos melhores. A geração atual tem contemplado uma fada materializada sobre um skate, sendo laureada com os mais importantes prêmios esportivos no mundo, a quem aplaudo veementemente, e… a fada da Cinderela contemporânea: um homem com trejeitos, vestido de mulher. Ou seja, um pleno rompimento com o passado no afã de estimular um ideário de liberdade absoluta, afinal, segundo Sartre, a fada madrinha da Cinderela pode ser o que der na telha; até mesmo à personagem principal, que dá título à obra, convém trajar indumentárias ousadas e sexy.

A quem se destina a Cinderela? Quem será o consumidor dessa obra de arte cinematográfica? O público-alvo? Sou incisivo nas perguntas para ter certeza que a resposta a todas elas será apenas uma: crianças e adolescentes! Pais e mães mais preocupados com a educação de seus filhos podem se perguntar: por que selecionar um ator, possuidor do “physic du role” necessário para desempenhar muito bem o papel de príncipe, para colocá-lo na vestidura de uma fada? Fica evidente que diferentes nichos mercadológicos estão a circundar as crianças para angariar mais simpatizantes à sua causa! Corrobora o pensamento quando se vê que a iniciativa não é inédita: uma grande empresa de alimentos, recentemente, veiculou um comercial em que expõe crianças discursando sobre a normalidade do comportamento homossexual; a Disney já lançou desenhos infantojuvenis com conotação bissexual… enfim, digamos tão somente que a livre manifestação artística alcançou as crianças, e cabe a cada pai e mãe (pai e pai, mãe e mãe… e todas as combinações possíveis) o julgamento sobre a pertinência (ou não) de os filhos assistirem aos tais conteúdos ideológicos. Em resumo, a pergunta que fica é: qual fada madrinha tu desejas como referência aos teus rebentos? A vencedora de medalha olímpica em Tóquio ou…?

Daremos voz à fabulosa personagem e ouçamos seus argumentos:

— Eu nasci com aparência de homem, com alma de mulher. Eu não me encaixo em meu corpo. Algo em minha natureza não está correto, eu preciso me livrar do jugo de “ser aquilo que não sou” para me transformar em alguém pleno.

Pois bem, excetuando-se pelas distinções essencialmente biológicas, as diferenças óbvias entre os dois gêneros são simples combinações sociais: durante anos convencionou-se que os homens vestiriam calças e as mulheres vestidos; que os homens usariam gravatas e as mulheres espartilhos; que os homens conversariam sobre política e as mulheres sobre filhos, enfim, os exemplos vão ao infinito. Goste ou não, esses foram estatutos criados pela sociedade e não pela natureza. Portanto, quando me deparo com um homem vestido de fada madrinha por ter, supostamente, “uma alma feminina aprisionada em um corpo estranho”, vejo tão somente um homem querendo romper convenções. Todo o discurso falacioso de um “corpo que não se encaixa” cai por terra diante do fato de que a natureza não tem coisa alguma a ver com as imprecações contra sociedade. Assim, quando um homem ESCOLHE vestir-se de mulher para romper paradigmas postos por gerações passadas, não há de se falar em um erro de Deus ou da natureza. — Eis a mais transparente verdade. — Pois, o que há, de fato, é o livre-arbítrio “do fazer”.

O que Sartre não entendeu, tampouco o entenderá a fada madrinha da Cinderela contemporânea, é que a liberdade “do ser” tem rígidos limites impostos pela natureza. Um homem, ao adotar comportamentos socialmente aceitos como femininos, fá-lo por opção, e nada, nenhum hormônio, procedimento pneumático, roupas ou comportamento mudará o que ele realmente é: um homem. Logo, em minha humilde opinião, a filosofia de Sartre é muito útil à agenda atual para auferir adeptos (ainda infantes), mas está equivocada, pois sobre a existência e essência humana, que tendem a não se separarem, não paira qualquer liberdade.

Itumbiara, 05 de setembro de 2021

Henrique Vieira do Carmo

One thought on “A CINDERELA CONTEMPORÂNEA

  • Confesso que quando vi um trailer desse filme fiquei bastante incomodado com o que vi

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *