A sua criança tem TOD ou é apenas birra?
Por Helen Mavichian*
A maioria de nós acha que entende o comportamento humano, até que o filho entra nas nossas vidas. Ter a experiência única de acompanhar cada reação e cada passo do desenvolvimento do ser faz com que algumas de nossas certezas sejam questionadas ou até desconstruídas. E é normal, já que nosso conhecimento foi construído a partir da teoria. E, sim, a teoria na prática é outra.
Uma das dúvidas mais recorrentes em consultório gira em torno da birra — esse comportamento que pai e mãe nenhum escapam de vivenciar com o filho. É difícil e, para muitos adultos, desafiador, lidar com uma criança que grita, se joga no chão, se recusa a comer, a deitar, a obedecer. “O que estou fazendo de errado?”, “O que devo fazer nesses casos?”. São diversas as perguntas e, uma delas, em especial, angustia muito os pais. “Isso é uma birra passageira ou é TOD (Transtorno Opositor Desafiador)?”.
Antes de antecipar qualquer diagnóstico é fundamental entender o que é essa sigla que andam falando por aí. E, principalmente, conferir se temos bem claro o significado de birra, que ouvimos falar desde os tempos de nossas avós.
O que é birra?
Começando pela famigerada birra, antes de suspirar, é bom saber que ela é esperada e, por que não, bem-vinda. Se coloque no lugar da criança, por exemplo, com um sentimento incômodo e, ao mesmo tempo, sem encontrar uma forma de expressá-lo. Você não domina bem a linguagem oral; então, faz uso do recurso que dispõe para simplesmente dizer: “Olhe pra mim. Não estou bem, não estou satisfeito, me sinto incomodado”.
Em outras palavras, o que chamamos de birra nada mais é do que a criança aprendendo a se posicionar diante das negações dos adultos. É a forma que ela encontra de expressar uma frustração. Não existe desenvolvimento saudável sem birra. Faz parte do eu da criança.
Observe que algumas situações podem desencadear a birra, como por exemplo, fome, cansaço, sono, falta de vontade para realizar determinadas tarefas, alimentar-se, tomar banho no lugar de assistir uma animação.
Como cada criança é diferente da outra, pode ter um período mais birrento ou menos birrento. Uma pesquisa realizada com cientistas portugueses identificou que entre dois e três anos, aproximadamente 20% das crianças apresentam birras pelo menos uma vez por dia; e 50% a 80% das crianças têm birras pelo menos uma vez por semana.
Outro dado interessante é que as crianças que têm birras frequentes aos dois anos continuam a ter birras aos três anos, em 60% dos casos; e destas, 60% persistem aos quatro anos. Ou seja, quanto mais birrenta for a criança aos dois anos, há mais chances de prosseguir até os quatro anos. A boa notícia é que o temperamento explosivo mantém-se ao longo da infância em apenas 5% das crianças.
Podemos concluir que birra é um comportamento passageiro. A solução vai depender muito mais da escuta dos pais e do equilíbrio que vão oferecer entre as vontades e os limites necessários.
O que é TOD?
Vamos falar, agora, sobre o TOD, o Transtorno Opositor Desafiador. Este é um transtorno neuropsiquiátrico, do grupo de Transtornos Comportamentais Destrutivos da infância. Apesar de ser mais comum na pré-adolescência e na adolescência, pode surgir antes dessas fases.
A causa exata ainda é desconhecida, de acordo com a American Academy of Child and Adolescent Psychiatry (Academia Americana de Psiquiatria Infantil e Adolescente). Mas, acredita-se que a base dos relacionamentos familiares pode ser um fator importante para o desenvolvimento do distúrbio. Violência doméstica, abuso sexual, abuso físico, negligência, abuso de álcool e drogas pelos pais, bem como conflitos familiares, podem desencadear o Transtorno na criança.
O TOD é caracterizado pela provocação extrema contra autoridades. Os sintomas incluem raiva, comportamento argumentativo, provocação e desobediência, fácil irritação, temperamento forte, colocação indevida de culpa nos outros e comportamento vingativo.
Birra não é TOD
Você pode até argumentar que esse comportamento é normal para qualquer criança, já que todas passam por fases difíceis. E, muitas vezes, poderiam ser descritas como “de oposição”, especialmente quando se está cansado, com fome, estressado ou chateado.
Claro que há momentos no desenvolvimento normal que o comportamento de oposição é esperado — entre dois e três anos de idade, ou até mesmo na pré-adolescência. Entretanto, ao contrário da birra, que é um comportamento imaturo e transitório da criança, o comportamento hostil deve se tornar uma preocupação quando é frequente e consistente.
Ele se destaca, quando comparado com outras crianças da mesma idade e nível de desenvolvimento, e afeta a família, o convívio social e a escola. O padrão de comportamento do TOD pode incluir:
● Frequentes acessos de raiva e ressentimento;
● discussões excessivas com adultos, muitas vezes, questionando as regras;
● desafio e recusa em cumprir com os pedidos de adultos;
● deliberada tentativa de irritar ou perturbar as pessoas;
● culpar os outros por seus erros e mau comportamento;
● muitas vezes, ser suscetível ou facilmente aborrecido pelos outros;
● agressividade contra colegas;
● dificuldade em manter amizades;
● problemas no aproveitamento escolar.
O diagnóstico deve ser feito por um profissional que possa executar uma avaliação. A melhor maneira de tratar uma criança com TOD inclui psicoterapia infantil, que abrange técnicas de manejo e modificação do comportamento, utilizando uma abordagem coerente. Para fechar um diagnóstico correto é necessário ter no mínimo seis meses de causa e apresentar, pelo menos, quatro dos sintomas.
Partindo dessas informações, entendemos que a birra e o TOD não estão relacionados. O que acontece é que algumas crianças fazem muita birra e agem de forma desobediente em determinado momento. Mas, sempre depois de algum tempo ou outro estímulo, retomam a normalidade. Não é algo que vai durar muito.
Por outro lado, o caso de uma criança com TOD é diferente. As crises tendem a ser frequentes e até mais sérias, necessitando de um acompanhamento profissional especializado que possa oferecer subsídios para uma intervenção eficaz.
Se o seu filho tem TOD, aí vão algumas dicas de ouro:
● Tenha cuidado ao discutir perto da criança;
● nunca use de agressividade e violência;
● reforce a autoestima da criança, intensifique as boas ações;
● utilize o diálogo. Apesar de ser difícil no momento de tensão, quanto mais você brigar ou discutir, mais desafiada a criança vai se sentir;
● trabalho em equipe com práticas de esportes e atividades em grupo geram disciplina, assim como cooperação e dinamismo;
● corrigir e disciplinar sempre, porém, com calma e sabedoria.
E o principal, tenha paciência! É o mais difícil, porém o principal para lidar com essa situação e ajudar a sua criança, assim como toda a família, a superar esse sofrimento* Helen Mavichian é psicoterapeuta especializada em crianças e adolescentes e Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É graduada em Psicologia, com especialização em Psicopedagogia. Pesquisadora do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui experiência na área de Psicologia, com ênfase em neuropsicologia e avaliação de leitura e escrita.