Direito ao desenvolvimento econômico é um direito humano
A visão de direitos humanos como algo estanque e dotado de instrumentos mais programáticos do que pragmáticos, resta muito superada por força da realidade dos problemas humanitários globais.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de janeiro de 1976, e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de março de 1976, compõe o tripé legislativo do Direito Público Internacional, sendo estas as normas fundantes do sistema global de Direitos Humanos.
O primeiro instrumento detalha os direitos individuais postos pela Declaração. Obrigam-se os Estados partes os direitos de “todos os indivíduos que se acham em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição”.
Contempla, ainda, o acesso à justiça e medidas compensatórias em caso de lesão.
O segundo é o diploma jurídico que dispõe sobre o direito ao trabalho livre, condições de trabalho adequadas, segurança e higiene no trabalho, e remuneração digna que possa atender ao trabalhador e família, dentre outras disposições.
Em conjunto com estes instrumentos há dezenas de convenções e declarações adotadas pelas Nações Unidas sobre Direitos humanos.
Os temas são múltiplos e ligados aos direitos mais diversos: combate ao racismo, à discriminação contra a mulher, à tortura e às crianças, ilustrativamente.
O texto do Pacto dos Direitos Econômicos é importantíssimo e traz diversos direitos destinados aos cidadãos dos Estados Partes e consequentes obrigações destes países. Se há um direito há também uma obrigação criada.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, foi adotado pela Resolução n.2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, e foi ratificado pelo Brasil apenas no tardio dia 24 de janeiro de 1992.
Fiquemos com alguns dispositivos do Pacto dos Direitos Econômicos que foram deixados de lado no Brasil.
Logo no Preambulo há o reconhecimento de que há harmonia entre o Pacto e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, dispondo os princípios de um ideal do ser humano livre, liberto do temor e da miséria.
E prossegue com a constatação de que esse direito só pode ser exercido quando criadas as condições que permitam a cada um gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, assim como seus direitos civis e políticos.
Vimos, de pronto, que diante das incansáveis oportunidades na quais ouvimos que determinada ação governamental desagradou ou agradou o “mercado”, que o componente humano foi deixado de lado no Brasil.
Os governos brasileiros são pró mercado e têm no comando de seus ministérios pessoas que atendem esse “mercado” em primeiro lugar.
No artigo 1º § 1. está redigido o comando que afirma:
“Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. ”
Sabemos que a autoderminação está vinculada a possibilidade que um povo tem de usufruir de bens gerados por sua terra; mas, no Brasil, diante da comoditização dos alimentos e demais produtos nascidos neste solo, pouco resta ao povo, pois estes bens são exportados em dólar.
O brasileiro, como se sabe, quando consegue trabalho, recebe em Real desvalorizado.
E o Pacto é claro quando afirma no §2:
“Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo e do Direito Internacional. Em caso algum poderá um povo ser privado de seus próprios meios de subsistência”.
Sabemos que deixar o povo à míngua, sem acesso aos alimentos que a própria terra produz, uma vez que estes bens têm preços atrelados a valores internacionais, gás de cozinha dolarizado, gasolina dolarizada, diesel e demais combustíveis dolarizados, não atende ao pactuado pelo Brasil diante das nações de todo o mundo. Nada tem de “proveito mútuo” nesta política econômica.
E, complementando o descalabro que é a política econômica brasileira, temos o absoluto descomprometimento com o disposto no Artigo 11. §1. 2, que obriga o Estado Parte a:
“Assegurar uma repartição equitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios. ”
Desta maneira, é fácil a conclusão de que os direitos humanos dependem de condições econômicas e políticas para a sua concretização, e que o Brasil abandonou tacitamente o Pacto Econômico e Social há bons anos, ainda que não o tenha denunciado.
Esse abandono decorre das prioridades econômicas dos governos brasileiros atentos ao aprofundamento de políticas de exportação de produtos da agropecuária, petróleo, minérios, aprofundamento de leis que solapam direitos sociais, dentre várias medidas que tornam a população cada vem mais miserável.
Reafirme-se que não se trata de uma novidade, tendo inclusive ocorrido na Conferência de Viena, em 1993, o reconhecimento de que há um direito ao desenvolvimento econômico, e que este direito é ferramenta para se alcançar os demais direitos humanos.
É um direito de caráter social, coletivo, sem o qual não é possível a concretização dos direitos humanos, pois sem dinheiro, alimentos e emprego, pouco há o que se fazer para alcançar a dignidade humana.
De nada adianta um conjunto de leis e instituições internacionais, se não há um sistema econômico que alicerce o exercício dos direitos humanos.
O direito ao desenvolvimento é parte integrante dos direitos humanos, e instituições que embora não tenham como escopo a proteção aos direitos humanos, devem ser chamadas para integração ao sistema e responsabilização por suas ações.
A visão de direitos humanos como algo estanque e dotado de instrumentos mais programáticos do que pragmáticos, resta muito superada por força da realidade dos problemas humanitários globais.
Ressalte-se que o Brasil, além de importante membro integrante da ONU, é signatário de todos esses diplomas de Direitos Humanos.
Conforme prevê o artigo 5º, §§ 1º e 2º, a Constituição brasileira dá aos tratados internacionais sobre direitos humanos natureza de norma constitucional.
Assim, um plano de governo para o Brasil em 2022, deveria considerar a necessidade de dispor claramente que o direito ao desenvolvimento não pode ser visto apenas como um direito do mercado, mas um direito social.
O desenvolvimento humano suplanta o interesse do mercado. Um candidato à presidência de mercado não atende mais as necessidades da nação brasileira.
Cássio Faeddo. Advogado. Mestre em Direito. MBA em Relações Internacionais. FGV/SP.