DONA PRETA

Uma das maiores dificuldades quanto à Estética é definir Arte e seus aspectos. Por muito tempo, dizer o que é (ou não) belo tem se tornado uma questão das mais árduas entre os estudiosos. Por exemplo: o belo pode ser apreciado individualmente, de modo particular e subjetivo? Ou haveria um belo absoluto, em si mesmo, que independe da percepção de cada indivíduo, em um viés objetivo? Pois bem, a dificuldade parece ser ainda mais extenuante, porquanto atribuir um conceito, avaliar qual o melhor artista e a mais nobre forma de expressão em detrimento a outras pode esbarrar em problemas muito mais sociais que estéticos. Assim, pretendo afastar-me da dificuldade e abraçar apenas a minha percepção, aquilo que eu considero belo, que me sensibiliza e me toca, ou seja, o belo subjetivo. Essa posição, de chofre, pode parecer simplista, de tal modo a planificar uma discussão por demais hercúlea. É verdade, faço-o, mas com o escopo claro e translúcido de tecer elogios a uma bravíssima artista que, dentre todos os méritos imediatos, há o de fazer com que eu assistisse a um reality show (algo improvável). Enfim, refiro-me à Dona Preta.

Tive o inegável prazer de conhecê-la pessoalmente em um almoço, muito rapidamente: tirei uma foto, como manda a boa e velha etiqueta da tietagem e posteia-a no mundo virtual. Dito isso, tenho conhecimento de causa para acrescentar que Dona Preta não é detentora apenas de atributos vocais dos mais finos, pois lhe pertencem, também, um enorme carisma e uma candura que conquistam o público.

Acrescento que a virtuosa cantora reside em Itumbiara, interior de Goiás, e com esplendida dignidade vendia chocolates pelas ruas da cidade para fortalecer o orçamento familiar e prover o sustento dos filhos pequenos. Sua história de vida não parece incomum: tantas outras mulheres atravessam atribulações como essas, lutas intermináveis pela sobrevivência, às vezes até mesmo com desesperança. Entretanto, no caso em particular de Dona Preta, tais situações chamam a atenção pelo fato de ela ser professora e por aquela encantadora singularidade: o seu inabalável e oceânico talento.

Não obstante os malogros da educação em nosso País e a continuidade do sofrimento atroz impingido a tantas mulheres, Dona Preta fez ouvir a sua voz aos quatro cantos do nosso Brasil, e que voz! Dirigiu-se aos estúdios de uma grande emissora de tevê e revelou o que há dentro de si: uma tessitura de dar inveja a muitas divas do bel canto, um grave potentíssimo, um agudo limpo, uma variação rápida entre as diversas formas de emissão, afinação respeitável e um bem-humorado beatbox (vocalização de sons percussivos). Diria que há mais, latente e recôndito a ser liberto, algo que ela descobrirá com o tempo, com o estudo, empenho e dedicação. Sim, a arte é exigente, concede o dom e demanda o suor.

Por fim, quisera eu que, em verdade, o belo fosse absoluto; quisera eu poder impor a outrem a minha percepção subjetiva e dizer: “Ei! Ouçam essa voz, ouçam esse canto, vejam a manifestação do talento, a materialização do dom divino.” Assim, o que eu vejo em Dona Preta seria sentido por todos, a vitória de sua força interpretativa prevaleceria, o bem em si mesmo. Mas para tal, todos os problemas da arte e do belo, aqueles aos quais aludi no início, haveriam de estar completamente resolvidos. Estamos longe disso! Afinal, e para ser bem franco, não é sobre a Estética que se trata essa discussão, mas, sim, um encômio ao talento, singular e raro de Dona Preta, que eu percebo, aprecio e ovaciono subjetivamente.

Sucesso! Em frente e enfrente!

Henrique Vieira do Carmo

Itumbiara, 17 de dezembro de 2021

2 thoughts on “DONA PRETA

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