LÁZARO BARBOSA E UMA TRISTE ESCOLHA
Quando o Estado pode ser mais danoso à sociedade, na sua ausência ou quando erra na atuação? Frequentemente somos bombardeados por notícias que mostram uma milícia forte ou poderosos grupos de traficantes que se apoderam de comunidades carentes no Rio de Janeiro. Em ambos os casos, a inércia estatal favorece o desenvolvimento de agremiações criminosas em busca de dinheiro e poder. Poder, essa palavra tão enigmática que envaidece, convence e coage não resiste ao vácuo. Vou além, ao bom estilo Zygmunt Bauman, o poder é líquido, resiliente ao assumir todas as formas, capaz de romper a mais dura substância e invade todos os espaços. Ou seja, quando o poder oficial ausenta-se, o paralelo apodera-se do vazio e isso tem consequências fatídicas.
Façamos, então, uma comparação entre erro e ausência estatal. O caso de maior repercussão no momento é a tentativa de captura do condenado Lázaro Barbosa, no interior do Estado de Goiás. Um único homem, sem condições materiais ou tecnologia, cansado, faminto, está deixando de joelhos, em plena humilhação, a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Civil e Militar do Estado de Goiás e do Distrito Federal; menciona-se ainda a estrutura: helicópteros, cães farejadores, cavalaria, viaturas, rádios, telefones, drones, salários em dia, diárias, trocas de turno, boa alimentação, etc. Faz muitíssimo bem o Estado em disponibilizar toda a força e inteligência necessárias para prender um homem perigoso, não há aqui qualquer equívoco ou falta. Entretanto, é necessário dizer que o mencionado aparato serve tão somente para corrigir um erro pretérito, cujo causador não foi outro, senão o próprio Estado.
Primeiramente, um juiz da vara de execução penal concede progressão de pena a um prisioneiro, apesar de o laudo psicológico atestar “agressividade, ausência de mecanismos de controle, dependência emocional, impulsividade, instabilidade emocional, possibilidade de ruptura do equilíbrio, preocupações sexuais e sentimentos de angústia” por parte de Lázaro Barbosa. Qualquer indivíduo, minimamente inteligente, sem ter frequentado os bancos acadêmicos, até mesmo sem contar com aprovação em um duríssimo concurso público, é capaz de perceber que afrouxar os grilhões da lei sobre um homem dessa natureza seria temerário. Mas, eis que o Poder fala mais alto e quem ouve é a Vaidade do togado:
— Tu, douto magistrado, não és adstrito a um mero laudo de um mero psicólogo. Se quiseres, solta e diz quem manda.
Então, com um publique-se, registre-se e cumpra-se, valendo-se mais da Vaidade que da lei, um homem instável é recebido de braços abertos pela Liberdade. Para o juiz, justiça foi feita; para Lázaro, permissão para matar e violentar a seu bel prazer. Eu me coloco no lugar do magistrado e apiedo-me dele, por ser, ao menos moralmente, coautor das atrocidades praticadas pelo monstro que ele, o togado, libertou. Enfim, um erro do Estado!
Em segundo lugar, é preciso dizer que Lázaro conseguiu empreender fuga da prisão através de um buraco no teto. Para ser absolutamente sincero, nem se quisesse muito, com todo o instrumental necessário à disposição, eu não conseguiria abrir uma fresta na cobertura de minha moradia. Mas o nosso antagonista não só cindiu a alvenaria como se esgueirou da segurança penitenciária. Outro erro do Estado!
A bem da verdade, o caso Lázaro Barbosa não é apenas uma conjunção de equívocos. É possível dizer que houve, outrossim, ausências: faltaram-lhe o amparo de instituições de saúde para prover o tratamento contra a dependência de drogas, educação e acolhimento social, por exemplo. Perfurando um pouco mais a Verdade, se o Estado tivesse se empenhado em sanar, na origem, as mazelas sociais no ambiente em que Lázaro vivia, da mesma forma que hoje se empenha para capturá-lo, a história haveria de ser diferente, vidas não teriam sido tão brutalmente ceifadas. Com isso, não defendo sua inocência, em absoluto, porquanto a liberdade de escolha que está em sua inteligência não o torna em um ser incapaz e irracional. Entretanto, o poder ausente do Estado potencializou a perfídia de Lázaro, da mesma forma que o faz com a milícia carioca.
Enquanto os nossos valorosos policiais tentam corrigir erros, os governadores Ronaldo Caiado e Ibanês Rocha batem cabeça para descobrir qual é a pior gestão, entre rusgas e acusações. Ao cidadão, entre um imposto e outro, cabe tão somente perquirir o que seria mais nocivo: a ausência ou o erro estatal.
Triste e dispendiosa escolha!
Ótimo texto, mais uma vez!
Seria cômico… se não fosse trágico!
Texto maravilhoso, olhando friamente para o caso foi exatamente isso que aconteceu.
Parabéns.