PALANQUE ELEITORAL PANDÊMICO

Que venha o bicentenário da independência brasileira! Em 2022, o nosso País comemorará um simbólico aniversário político e, para celebrar essa data, teremos eleições, a grande festa democrática de um povo soberano. Será mesmo? Antes, estivemos sob os suaves jugos português, inglês, estadunidense e, agora, o que nos fustiga é uma orgulhosa subserviência aos países asiáticos, por meio de um comércio internacional atroz, que promove a carestia e mata de fome os brasileiros mais humildes. Pois bem, apesar de tudo isso, comemoraremos uma independência política com um grande bolo, que já está no forno.

A atual Comissão Parlamentar de Inquérito, ou CPI da COVID para os mais íntimos, é a grande confeitaria. Os nossos insignes representantes estão a recolher os ingredientes, de modo a preparar uma massa macia e doce. Sejamos diretos e não façamos uso de metáforas gastronômicas, enfim. Todo o espetáculo que se apresenta nessa investigação, transmitido e comentado pelos mais célebres jornalistas, não passa de um circo, um grande picadeiro, visando tão somente às eleições que se aproximam. Algum leitor poderá considerar que estou a defender o atual Presidente. Na verdade, coloco-os todos na mesma frigideira, bolsonaristas, lulistas, dorianos, ciristas… de modo a fritá-los lentamente. (retorno à metáfora gastronômica). E o que me faz chegar a tal conclusão?

Desde o início da pandemia, as discussões legislativas, em ambas as Casas, têm sido majoritariamente por meio virtual, cada congressista em sua caixinha particular na tela de um computador. Eis que surge a chance de fazer uma inquisição com viés medieval: ora, o meio que promove maior interesse da imprensa e visibilidade é a reunião presencial. Dessa forma, a possibilidade de participar de discussões acaloradas e ser notado, de tal sorte a angariar votos em currais eleitorais, aumenta-se consideravelmente. Confirma-se essa percepção pelo fato de que as perguntas durante os trabalhos da CPI, quando ditas, carregam consigo longos discursos, críticas e elogios ao governo. Transformaram o que deveria ser um ambiente de perquirição e investigação em um colóquio de teorias políticas com finalidade eleitoral. E assim, segundo os parlamentares, a atual CPI é a casa da Verdade, perene e absoluta, onde a mentira é logo desvelada; onde supostamente NÃO SE POLITIZAM AS VIDAS CEIFADAS.

Perceba a contradição!

O mais triste e decepcionante em todo esse espetáculo, indigno de aplausos, é que, ao fim, o único fruto colhido pela Comissão Parlamentar será um relatório, teoricamente isento, para ser apresentado ao Ministério Público. Sim! Nenhuma CPI tem o poder de determinar a condenação ou absolvição de pessoa alguma, é o que assevera o artigo 58, § 3º, da Constituição Federal de 1988. De posse desse relatório, caberá tão somente ao Ministério Público acionar o Judiciário para que se “promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”, outra marcha lenta rumo ao infinito. E o mais absurdo é que, atinente à luta contra a COVID, os órgãos ministeriais já instauraram diversos feitos de apuração, portanto, todo palavrório circense montado em Brasília não passa de um ato de vilania para sublinhar o que sublinhado está (ou adicionar cobertura a um bolo já lindamente decorado).

— Oh! Vossa Excelência, senhor Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, subtraíram o vosso posto de presidente da Comissão, um acinte!

Palhaçadas à parte, vê-se que por meio de ordem suprema, em flagrante respeito ao princípio da desarmonia entre os Poderes, o Ministro Barroso determina a abertura de um palanque eleitoral pandêmico, para que os nossos argutos parlamentares possam expor suas ideias críticas e fartem-se de um confeito democrático, enquanto os brasileiros são mortos por complicações causadas pelo coronavírus. As mortes por inanição e suicídio, cujo incremento foi substancial desde o início de 2020, não estão nos noticiários, não são contabilizados.

A placa diante do Senador Renan Calheiros não mostra o número de mortos, vítimas da pandemia. O que há, na verdade, é a quantidade de potenciais eleitores que ele e tantos outros políticos perderam. Pobre Renan, mal sabe ele que aquele número está aquém da Verdade.

Por fim, concluo ao dizer que até mesmo a democracia contraiu o famigerado vírus, mas há um alento, pois em 2022 haveremos todos de gritar: — Independência ou morte!