POR QUE ODEIO O BIG BROTHER?
No ano de 2002 estreou a primeira edição do Big Brother no Brasil. Para mim e tantos outros, aquela seria uma oportunidade inédita, a ponto de eu considerar: “Oh… Interessante! Um curioso estudo sociológico, — uma releitura do panóptico de Jeremy Bentham (1748-1832).” Panóptico é um modelo de penitenciária circular em que os presos não sabem se são ou não observados, o que permite, em algumas situações, vigilância zero. Desse modo, a dúvida, sempre presente, suscitaria o dever de se portar conforme as regras pré-estabelecidas, ou seja, exatamente o que acontece atualmente conosco quando estamos diante das câmeras de monitoramento, semáforos e radares de velocidade. Pois bem, com o passar dos anos, e com a vinda de novas edições anuais do programa televisivo, o meu interesse por ele se transformou em indiferença; e a indiferença, em ojeriza. Vinte anos de um programa que se repete sem apresentar quaisquer novidades, quando será suficiente? Reconheço que, pelo simples fato de tratar sobre o tema, posso incorrer em erro e contradição, pois arrisco promover e evidenciar aquilo que desdenho, ao voltar os holofotes em direção a algo que merece nada mais que as sombras. Na outra mão, também admito o dever de alertar os amantes desse programa, pois, no final das contas (milionárias!), eles não passam de uma commodity. Assim, aceito a pecha de contraditório se o esclarecimento prevalecer.
A expressão Big Brother (Grande Irmão) foi cunhada pelo escritor inglês George Orwell no aclamado livro 1984. Em sua obra, o autor relata um futuro terrível: governo totalitário; permanente vigilância pelo Grande Irmão através de um aparelho que nunca desliga; o eclipse da intimidade doméstica e o aniquilamento do sujeito possuidor de liberdade. Quanto ao nosso Big Brother Brasil – BBB, promete-nos o papel de sermos o todo-poderoso Grande Irmão, tirânicos, detentores do direito de vida ou morte sobre pobres personagens no “paredón”. Quais as consequências? Ora, sentimos o gosto de poder e gostamos. A tirania, a autocracia, deixa de se tornar um absurdo e passa a ser desejável, a ponto de se reproduzir na realidade de jovens e adultos. Não por acaso, nos últimos vinte anos, os adolescentes são cada vez mais incapazes de reconhecerem a autoridade de pais e professores, — afinal, eles são os big brothers da vida real. Do mesmo modo, a destruição de uma carreira profissional de sucesso pode ser perpetrada em um piscar de olhos por meio do “cancelamento”, simplesmente por conta de uma ou duas palavras mal redigidas (ou mal interpretadas). Enfim, os Grandes Irmãos, déspotas obscurecidos, estão à solta.
Outro clássico da distopia é o livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. Essa obra encerra uma figura interessante, Mildred, que imagina interagir diretamente com os personagens da novela, os quais declara serem “sua família”. A mulher idealiza que aquele programa fora escrito especialmente para ela, apesar disso, não passa de uma pessoa triste, deprimida e suicida. Em suma, Mildred dá mais atenção à sua família fictícia que ao marido, para preencher o vazio que há dentro de si. Por diversas vezes eu já ouvi o argumento: “Ah… eu somente assisto ao Big Brother para me distrair dos problemas.” Tal qual Mildred. É claro que todos precisamos de lazer e um pouco de distração, mas, por que seria necessário abandonar a própria existência para ter prazer? Leia um livro e reflita; ouça uma música e aproveite-a; brinque com o seu próprio filho; converse com um amigo… Agora, se a sua vida é insuportável, recorra ao Big Brother para ter uma ínfima sensação de poder, é o que lhe resta!
Curiosamente esse tipo de programa granjeou a alcunha de reality (realidade) por ser visto como uma redução do mundo em um microcosmos sem um roteiro prévio, com total espontaneidade por parte dos participantes. Para ser honesto, questiono se há merecimento nesse título. Na 20ª edição, segundo fontes oficiais, ocorreu uma participação popular massiva, com mais de 1,5 bilhão de votos. Isso significa que CADA HABITANTE DO BRASIL teve de votar aproximadamente 7 vezes, em média. Um descalabro! Ninguém desconfia da maquiagem de números? Veementemente, sugiro que assista ao filme O Show de Truman e contemple o potencial nível de manipulação que pode haver no enredo do nosso BBB, haja vista a impossibilidade de se realizar qualquer tipo de auditoria independente, quer seja na contagem de votos, ou no conteúdo que é veiculado.
E por falar em conteúdo, os confinados no Big Brother adotam, majoritariamente, comportamentos que beiram o que há de mais aviltante e ignóbil. Desse modo, o jovem, em franco desenvolvimento de seu caráter, pode considerar aquela conduta como padrão, ou seja, um estímulo à impostura, promiscuidade, traição, ebriedade, descortesia e tantos outros vícios. Refiro-me também às discussões acaloradas por qualquer ninharia, que inconscientemente causam estresse, ansiedade e, por conseguinte, insônia aos telespectadores. É claro que eu não poderia conceber tanto poderio bélico tão somente ao Big Brother e enveredar pelas teorias conspiratórias, mas é plenamente razoável atribuir-lhe, ao menos, uma responsabilização parcial no que se vê hodiernamente. Assim, considero que um tanto de cautela e desconfiança não seria demais.
Poderia elencar diversas outras razões, justificar as minhas reservas ao BBB de inúmeras maneiras, mas seria exigir demais da paciência do leitor, por isso, finalizo, enfim, por dizer que aqueles que assistem ao famigerado programa não passam de um produto. Isso mesmo! Em verdade, ocorre uma amplificação e inversão do panóptico, pois, ao fim e ao cabo, os telespectadores é que são observados e controlados nas suas prisões privadas, visto que o Big Brother tem uma enorme capacidade de coisificar o ser humano: vende às marcas parceiras, na forma de audiência e informação, cada par de olhos diante da tevê, as verdadeiras mercadorias. Alguém poderia argumentar: “Mas isso ocorre em todos os programas da televisão, fruto da indústria cultural que separou o entretenimento da cultura.” Deveras, o que torna a situação ainda pior, portanto, como consolo, recomendo a leitura (ou releitura) do conto A roupa nova do rei, de Hans Christan Andersen, preferencialmente durante o Big Brother, e decida quem você gostaria de ser: a criança que desvela a farsa, ou o iludido rei que nela permanece.
HENRIQUE VIEIRA DO CARMO
Itumbiara, 15 de março de 2022
Parabéns, ótimo texto.
Sempre um perspectiva astutas dos fatos!
Parabéns meu amigo
Muito bom, como sempre, meu caro Henrique! já estou anotando aqui as sugestões de leitura.
Tenho ficado horrorizado com o nível de ‘coisificação’ das pessoas, nos programas de Tv e nas músicas e vídeo-clips… a sociedade está ficando cada dia mais anestesiada…