Uso de telas pode prejudicar processo de alfabetização
Quase 60% das crianças que cursam até o segundo ano fundamental não estão alfabetizadas no Brasil. Desafios aumentam com o uso de telas pelos pequenos. Especialista tira dúvidas quanto aos riscos e possibilidades de uso das tecnologias
Apenas 43% dos estudantes brasileiros apresentam níveis adequados de alfabetização na idade certa, por volta dos sete, oito anos, ou seja, no final do segundo ano do Ensino Fundamental. É o que mostra os resultados inéditos da pesquisa Alfabetiza Brasil, do Ministério da Educação (MEC), apresentada em maio de 2023. O número piorou em relação a 2019, ano de início da pandemia, quando 60,3% das crianças estavam alfabetizadas na faixa etária ideal.
Em contrapartida, pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa do Hospital Infantil de Alberta (Canadá) e as Universidades de Calgary (Canadá) e College Dublin (Irlanda) apontou que a quantidade de tempo que as crianças passam em frente às telas todos os dias disparou mais de 50% de 2020 a 2022, o equivalente a uma hora e vinte minutos a mais de consumo diário. Os dados foram coletados por 46 estudos envolvendo quase 30 mil crianças de vários países, com idade média de 9 anos, mas variando de 3 a 18 anos. Os resultados mostraram que o tempo de tela saltou de cerca de 162 minutos por dia antes da pandemia para 246 minutos durante e após a disseminação da covid-19.
A psicopedagoga e diretora da escola canadense Maple Bear Goiânia, Sabrina Oliveira, explica que existe uma relação direta do consumo excessivo de telas e dificuldades de alfabetização. Segundo ela, o oferecimento de telas para crianças sem regulação, sem supervisão, é muito prejudicial em qualquer fase da infância e na alfabetização ainda mais. “Este é um momento que exige da criança uma intensa atividade cerebral, um momento em que a criança vai passar por processos cognitivos muito elaborados. Portanto, é muito importante que o aluno esteja disponível para atividades que vão fazê-lo pensar, interagir, ativar ainda mais as áreas mais complexas do cérebro. E o problema das telas é que elas promovem o contrário, colocando a criança na passividade, fazendo com que ela se posicione somente como espectadora”, alerta.
O tempo de tela tem substituído inclusive os livros, que normalmente envolvem a criança e tem um papel importante na descoberta das letras. Sabrina Oliveira, destaca que o acesso excessivo às telas prejudica também a qualidade do sono, acostuma a criança a querer sempre atividades que não exijam dela muito esforço para pensar; além das consequências físicas como a baixa motricidade, com a falta de interesse em escrever e realizar atividades que vão auxiliar no desenvolvimento físico. “E tudo isso, com certeza, interfere na capacidade de atenção, na habilidade de saber esperar, na dedicação, nos esforço, gera baixa tolerância para frustração, irritabilidade e até hiperatividade”, pontua a psicopedagoga.
Equilíbrio
Porém, diante do desafio de se alfabetizar neste mundo com tantas inovações e cada vez mais digital, é possível, sim, aproveitar a tecnologia de forma positiva. Segundo a especialista, o consumo de telas em excesso não é recomendado, mas se o uso for feito com acompanhamento, planejamento e orientação de um educador, pode ser proveitoso, desde que seja inserido de forma a respeitar o tempo em que cada criança pode ter de exposição.
Ela exemplifica que a Maple Bear adota o uso das tecnologias como aliadas no processo de alfabetização, respeitando as fases e necessidades de cada criança. “Uma criança em fase de alfabetização pode ter de 30 a 40 minutos de uso de tela de forma intencional até duas vezes por semana. Mas a intenção, é o que vai fazer a diferença. A ideia é trazer atividades que vão desenvolver o pensamento da criança, como conceitos iniciais de programação, por meio de jogos, para que o que está abstrato na tela ela possa tocar, quantificar, ou até o uso de leitura de textos com música; estratégias que podem até contribuir com a alfabetização”, orienta.