ADPF 442

AS ORIGENS E CONSEQUÊNCIAS DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO PELO STF

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) protocolou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que, em linhas gerais, busca relativizar os artigos 126 e 128 do Código Penal, cuja letra criminaliza o aborto consentido, salvo em casos de risco de morte para a gestante e estupro. No dia 22 de setembro de 2023, a Ministra Rosa Weber divulgou voto favorável à descriminalização da interrupção da gestação até a décima segunda semana. Tendo descrito o panorama geral, aqui vai o meu vaticínio nada otimista: em breve, com o aval dos nossos supremos cortesãos, seremos um País que adotará o aborto como prática legal e, quiçá, aquele que se manifestar contrário sofrerá consequências jurídicas pesadas por supostamente constranger mulheres a exercerem seu direito à autodeterminação, pois em “seus corpos devem prevalecer suas regras”.

Foto: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=514619&ori=1

Alguns pontos do voto da Ministra saltam aos olhos, vamos a eles: 1) A criminalização perpetua o quadro de discriminação com base no gênero, porque ninguém supõe (…) que o homem de alguma forma seja reprovado pela sua conduta de liberdade sexual, afinal a questão reprodutiva não lhe pertence de forma direta (item 172). Veja com que perspicácia Sua Excelência compreende que os homens, por não gerarem vida, são diferentes das mulheres, o que acarreta em desigualdade. De acordo com a Ministra, portanto, uma das possíveis soluções ao problema seria perverter úteros férteis em “sepulcros caiados” e, desse modo, estaríamos a um passo de vencer os arbítrios da natureza e conquistar a tão sonhada igualdade de gênero; 2) A solução para a redução das taxas de aborto, portanto, está na (…) opção pela interrupção voluntária como forma de solução (item 176). Aqui, eu fico aparvalhado ao imaginar como a inteligência da nossa Cortesã alcançou um nível que eu jamais pensei que seria possível. Ora, o recurso que se apresenta para reduzir a taxa de aborto é liberá-lo. Talvez possamos utilizar a mesma engenhosidade para combater o homicídio, roubo, corrupção e tantos delitos: descriminalizar para reduzir! Como ninguém pensou nisso antes? 3) A fórmula institucional atualmente empregada é que se mostra excessiva ao não considerar a igual proteção dos direitos fundamentais das mulheres, dando prevalência absoluta à tutela da vida em potencial (feto) (item 178). Afinal, é um excesso proteger um ser indefeso, que estorvará para sempre a vida de uma inocente mulher. Quem disse que o Estado deve promover igualdade material ao proteger os mais fracos? Esse atributo não se aplica aos embriões, pois o Artigo 2º do Código Civil foi abortado pela Ministra, eis o seu epitáfio: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” ― Requiescat in pace.

Pois bem, infelizmente, o voto da Cortesã define o rumo que será seguido pela maioria dos ministros, ou seja, já está decidido que o feto é apenas “vida em potencial”. Esse ponto é pacífico e basta uma simples análise de conjuntura para perceber a hipertrofia jurisdicional que atualmente está em voga. Então, proponho elevarmos o nível da discussão, de sorte a vislumbrarmos a origem desses ideários de morte e as consequências que doravante teremos que enfrentar. Sem querer aprofundar em filigranas filosóficas, adianto que é antiga a tese de uma essência fixa, inexorável e universal ao ser humano, ou seja, haveria algo em mim que pertenceria a todos os homens, e essa substância comum seria capaz de determinar, no limite de meu arbítrio, minha identidade. Na via oposta, a antítese apregoa não haver essência universal em qualquer ser, mas tão somente um aglomerado de nomes e convenções sociais, aquilo que se assentou como NOMINALISMO, cujo defensor mais insigne está na pessoa de Guilherme de Ockham (1285-1347). Para exemplificar a força do Nominalismo, basta dizer que Ockham passou os últimos anos de sua vida em Munique, e cerca de 200 anos depois, o que hoje conhecemos como Alemanha experenciou a Reforma Protestante, que tem como fundamento o princípio sola scriptura (apenas a palavra vale, ou seja, o nome). Curioso como Santo Agostinho, mil anos antes, em seu De Magistro refuta o Nominalismo: “Nem mesmo a este, que contempla coisas verdadeiras, eu ensino dizendo coisas verdadeiras, pois não aprende por minhas palavras, mas pelas coisas mesmas que Deus lhe manifesta interiormente”, trata-se da iluminação divina de que desfruta o homem interior, segundo o Bispo de Hipona. Portanto, se o homem está reduzido a meras convenções linguísticas e sociais, nada mais natural que a irreverência e a iconoclastia prevaleçam: abaixo todos os valores universais; que adolescentes troquem de sexo; que a promiscuidade seja meritosa. Quando começa a vida humana, com a concepção? Não! Quando onze supremos togados assim o acordarem: com 12 ou 36 semanas de gestação, tanto faz, afinal, tudo não passa de uma convenção nominalista.

Agora é a melhor parte, o porvir. Retirados os lastros morais de uma sociedade, o que resta é a sua frágil e efêmera materialidade. Tal qual convencionou-se que “vida em potencial”, anterior a 12 semanas, não é humana, poderemos acordar que aos 75 anos, quando um senil precisar de cuidados paliativos, sua existência poderá ser meramente “interrompida”? Será que ninguém considera o remorso e o trauma psicológico aos quais uma mulher deverá se submeter no caso de aborto consentido, o que acarretará em depressão, ansiedade e angústia? Ao deixar o ser humano livre de suas âncoras morais, como um átomo democritiano, seria imperceptível a possibilidade de os suicídios aumentarem vertiginosamente como acontecem em países escandinavos? Eutanásia, transtornos psicológicos e suicídio estão na ordem do dia quando o nosso País pretende adotar a descriminalização do aborto como solução para problemas como autodeterminação, igualdade de gênero e liberdade. O extermínio de vidas não seria o caminho e acabaria por chafurdar ainda mais nossa sociedade em um lodo pútrido, aspergido com o sangue e a inocência infantil.

No item 186 de seu voto, Sua Excelência defende princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana, cuja legitimidade ninguém discute. Ocorre que a nossa Ministra esqueceu-se, ou falaciosamente esquivou-se do fato de que sem vida não há de se falar em direitos, e essa questão é irremediável, ainda que se suprima por completo o jusnaturalismo e adotemos o direito positivo como prática absoluta. Pois bem, nossa Ministra, em breve, alcançará os 75 anos de idade e retirar-se-á definitivamente da Corte Suprema. Apesar da divergência de opinião, desejo-lhe votos de uma velhice próspera, ativa, fértil, que alcance os anos centenários e que nunca seja vítima da ignominiosa eutanásia. Que tenha uma boa morte, no tempo certo. Ou seja, jamais gostaria de aplicar os ideários de Rosa Weber a Rosa Weber.

Por fim, confesso o pecado de estar resignado com a nova realidade que se apresentará. Diferentemente, talvez até mesmo Guilherme de Ockham saltaria de sua tumba, espantado ao descobrir que sua Navalha está sendo utilizada como cureta para matar criancinhas. Mas quanto a isso, acredito que nos resta pouco por fazer, a não ser suplicar pela iluminação agostiniana do homem interior.

Henrique Vieira do Carmo

Itumbiara, 24 de setembro de 2023.

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