Aspectos jurídicos do Testamento Vital

Por Tatiana Naumann

A pandemia da Covid-19 trouxe a reflexão sobre a finitude da vida, assunto até então evitado pelos brasileiros que, culturalmente, estão desacostumados a lidar com a morte.

Com isso, passou a ser frequente a lavratura de escritura de Testamento Vital, que nada mais é do que um documento que estabelece as formas em que o paciente estipula o tratamento que deseja receber para o prolongamento (ou não) da vida, excluindo, especialmente, os que considera invasivos.

Em diversos países já se tem inclusive legislação sobre o tema, mas embora no Brasil ainda não tenha, a demanda por Testamentos Vitais aumentou muito com a pandemia, ou seja, de 2020 para cá.

Isto porque tornou-se necessário, para não dizer indispensável, estabelecermos uma forma digna e condizente com a autonomia da vontade de quem está prestes a morrer. e que seja compatível com o princípio da dignidade humana.

Neste caminho, a Medicina e o Direito se encontraram, já que os cuidados paliativos se tornaram indispensáveis para que essa equação atendesse a ambos os interesses: promover “a qualidade da morte”, ou evitar o  prolongamento artificial da vida dos pacientes e o sofrimento de seus familiares, por meio de prevenção e alívio do sofrimento dos mesmos.

A frase “faça tudo o que tiver que fazer”, dita muitas vezes para os médicos, foi mitigada na medida em que ao paciente cabe a escolha de morrer da forma que considera digna. Para isso, é nomeado um procurador de saúde que, na ausência de discernimento e capacidade de decisão do paciente, é quem por ele decide.

Neste diapasão, algumas cláusulas podem ser estabelecidas, como, por exemplo, as relativas aos cuidados proporcionais ao final da vida, onde o paciente estabelece quais são os procedimentos que considera indispensáveis e que não prolongariam a sua existência em detrimento da qualidade de sua vida.

É importante ressaltar que tais disposições são consideradas ortotanásia – ou seja, o não prolongamento artificial do processo natural de morte, o que não se confunde com eutanásia, que constitui crime no Brasil, já que não é considerada uma morte natural.

Visando regulamentar a questão, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução 1.995/2012, intitulada “diretivas antecipadas de vontade” ou “testamento vital” do paciente acometido de doença em estado terminal de vida, apenas em relação à ortotásia, ou seja,  morte natural. Isso significa afirmar que o paciente  terá respeitada a sua vontade que, repita-se, poderá ser exercida através de um procurador de saúde.

Portanto, estabelecer diretrizes antecipadas de vontade não fere nenhum artigo da legislação brasileira e proporciona ao paciente o prolongamento artificial da vida até onde o mesmo considerar necessário e vital, sendo certo que tal fato, repita-se, não se caracterize como eutanásia.* Tatiana Naumann é advogada graduada em 1998 e pós-graduada em Direito Processual Civil, ambas na Universidade Cândido Mendes, e em Direito Público e Privado pela Universidade Estácio de Sá. Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDF), membro do IAB – Instituto dos Advogados do Brasil, possui experiência generalista em todas as áreas do Direito Civil e Processo Civil, e larga experiência como especialista em Direito de Família e Sucessões. É sócia responsável pela área de Direito de Família, Sucessões, Violência Doméstica e Familiar contra a mulher do escritório Albuquerque Melo Advogados, que desde 2015 é reconhecido pela publicação “Análise Editorial – Advocacia 500” como um dos mais admirados do Brasil.

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