CID11

“Abarquemos e amemos a velhice: é cheia de prazeres se soubermos fazer uso dela. Agradabilíssimos são os frutos de fim de estação”. Sêneca, filósofo estoico do século I d.C., escreveu diversas cartas ao amigo Lucílio, das quais extraí este pequeno trecho. Seus ensinamentos são de uma beleza ímpar e pregam, acima de tudo, a moderação diante das dificuldades da vida.

Façamos subir a areia da ampulheta e voltemos uns séculos no tempo. Platão, na República, faz referência a Sófocles ao maldizer os imperativos da juventude: “Com muito contentamento escapei de tudo isso, como um escravo que escapou de um senhor brutal e tirânico”. Para o filósofo grego, portanto, a velhice provê paz e liberdade.

A Organização Mundial da Saúde, OMS, discorda de ambos, a ponto de definir na CID11 uma nova doença. E alguém perguntará: Que doença é essa? Pois bem, se tu, leitor, viveste 60 primaveras ou mais, saibas que a partir de 2022 a OMS passará a te considerar como DOENTE. Isso mesmo! Para o órgão internacional, que dita as regras de saúde no mundo, a velhice é um mal incurável, passível de provocar mortes.

Assim, podemos estender as consequências dessa nova classificação médica a um nível extremo. Alguns exemplos: um funcionário com mais de 60 anos poderá ausentar-se do trabalho pelo fato de ser velho, um doente; qualquer idoso que tenha morrido por infarto, Alzheimer, acidente vascular encefálico, não terá o direito de ter a morte investigada, pois em sua certidão de óbito haverá o espaço para a generalista CID11, velhice; a expressão “velho doente” passará a ser considerada um pleonasmo (uma dica aos estudantes); os preconceitos e a nítida exclusão digital direcionados aos mais idosos não se restringirão à inabilidade para lidar com dispositivos eletrônicos, pois, oficialmente, além da dificuldade em vislumbrar o virtual, serão enfermos acometidos de um mal incurável e mortal. Graças a Deus, a velhice não é contagiosa, pois pioraria ainda mais a rejeição!

“Nem tudo o que reluz é ouro”, disse Shakespeare em O Mercador de Veneza. Essa frase leva-nos a considerar as entrelinhas e perceber que os fatos podem ser diferentes do que aparentam. Ora, essa mesma OMS, que por décadas asseverou que a homossexualidade era doença e aconselhou tratamentos psiquiátricos, hoje diz que a velhice é um mal, ou seja, Sêneca e Platão estariam errados. Para aqueles que tomam as instruções da OMS como douradas, porque reluzem, seria auspicioso agir com parcimônia e não considerar, cegamente, seus ditos como verdades.

“É preciso tomar medidas com base em informações fornecidas pela ciência; a OMS recomenda isso e aquilo…”

Essas são as frases recorrentes entre os políticos da atualidade, que, em sua ignorância, tomam decisões de Estado e de governo sem considerar o fato de que a ciência é uma escalada por meio de conflitos dialéticos, pois “toda unanimidade é burra”, como diria o velho Nelsinho.

Por fim, se tu tens 59 anos, não te preocupes! Em 2022, tu serás um doente, acometido por velhice: um mal congênito e inerente à condição humana.

Se a OMS diz: morre, velho doente!

Eu digo: cuidado com o que a OMS diz por aí.

Henrique Vieira do Carmo

Itumbiara, 09 de julho de 2020

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